INTRODUÇÃO HISTÓRICA

Esse artigo possui como sua principal finalidade a análise do impacto decorrente das apostas esportivas na sociedade sob à luz do ordenamento jurídico brasileiro, e como uma possível regulação mais branda alteraria o funcionamento da economia. Os jogos de azar e as apostas não são um fenômeno contemporâneo, tendo relatos desde as primeiras civilizações.


Na Antiguidade Clássica, de acordo com a mitologia grega, os deuses decidiram com quais partes do mundo iriam ficar a partir de um jogo de astrágalos – ossos do tornozelo de alguns animais como ovelhas, cervos e bubalinos, se assemelhando ao que conhecemos hoje por um dado de seis faces – e então, foi acordado na sorte que Zeus ficaria com os céus, Poseidon com os mares e Hades com o mundo subterrâneo (ARNOLD, 1977, p.8).
Séculos depois, na Idade Média e na Moderna, os jogos de azar não cessaram. O duelo entre cavalheiros era constante e foi responsável pelo desenvolvimento de novos esportes e formas de lazer, principalmente para as camadas mais populares, que utilizavam desses torneios como diversão, e, eventualmente como forma de ganharem utensílios que não seriam adquiridos pela vida social normal (CHAGAS, 2016, p. 34).
A partir disso, as apostas esportivas ganharam cada vez mais destaques na vida humana, com a globalização e a ascensão do capitalismo, os esportes deixaram de ser apenas lazer e passaram a ser profissionalizantes, a ponto de jogadores de futebol e basquete se tornarem bilionários, fazendo com que a atenção direcionada para as apostas fosse cada vez maior, e,
consequentemente, rodasse cada vez mais dinheiro.

CONCEITOS

É de conhecimento geral que a internet revolucionou as noções de tempo e espaço, com a comunicação sendo feita em instantes e a facilidade de acessar qualquer conteúdo a qualquer momento revolucionou também o mercado de apostas. A necessidade de abrir uma sede física dificultava tanto para os apostadores, quanto para os próprios donos. Assim, quando se tornou possível a abertura de empresas apenas virtualmente, fez com que esse eixo deslanchasse na economia. A falta de fiscalização, um modelo tributário favorável, além da possibilidade de qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo acessar o serviço foi fundamental para o crescimento das empresas e para o desenvolvimento desse mercado.

Dessa forma, não apenas os esportes mais difundidos chamaram atenção, aqueles
considerados secundários, ou menos praticados também ganharam notoriedade. De modo que, na segunda metade do século XIX, tem-se o auge do surgimento das primeiras associações esportivas. Nesse contexto, Bayer (2014, p. 15-16) observa que:
“As associações desportivas despontaram então como protagonistas do surgimento do movimento desportivo organizado em solo britânico, tendência que encontrou correspondência nos demais países europeus e, logo após, nos Estados sul-americanos.

A proliferação destas associações provocou o nascimento de uma nova demanda: a de articular essas associações e desenvolver as competições desportivas, fazendo-se necessário a criação de um organismo hábil a fomentar a unidade e a coordenação das respectivas modalidades desportivas no país.” Inicialmente, a prática de apostar era costumeiramente associada com as elites, entretanto, não demorou para que também se difundisse nas camadas populares. Atualmente, é possível encontrar diversas pessoas trabalhando apenas com o mercado de apostas, vendendo, por exemplo, cursos sobre como realizar a melhor escolha. Para exemplificar basta considerar o seguinte cenário fictício: há apostas a serem realizadas em partidas de ping pong na Austrália, onde as pessoas não possuem conhecimento sobre o esporte ou a partida em específico, mas mesmo assim apostam devido a um estudo do histórico do atleta juntamente ao fato de a rodada estar com uma odd (será explicada posteriormente) favorável. Tal fato demonstra como o ato de apostar deixou de ser lazer ou diversão, e passou para uma atividade empresarial que gera muito capital. A oferta de um serviço de proporções globais, com diversas especificidades, passa pela compreensão de funcionamento do mercado de apostas on-line, sendo necessário tecer considerações gerais sobre o mercado, mais especificamente, conceituar o que são os bookmakers e as odds, sempre abordando a dinâmica do mercado de apostas (SILVA, 2022, p.10).

Bookmakers são aqueles que intermediam as apostas nos eventos, pessoas ou empresas, as
famosas “casas de aposta”, disponibilizando os eventos no site e determinando a probabilidade de cada partida, e que varia de acordo com o decorrer do jogo. Por exemplo, na final da Copa do Mundo de 2022, a chance de a Argentina ganhar nas penalidades máximas era a mesma da França, a partir do momento em que o jogador francês
perdeu a primeira penalidade, a Argentina passou a ter mais chance de vitória. Logo, quem apostou na Argentina teve seu capital valorizado e poderia ter retirado a aposta antes da disputa terminar, porém o lucro não seria maximizado.

Em uma situação hipotética, caso a Argentina tivesse perdido a decisão e o apostador não
retirasse o dinheiro na situação mencionada, a “casa” ficaria com 100% do capital. Essa dinâmica exemplificada é a que mais gera receita nesse mercado, movimentando em torno de 12 bilhões de reais por ano, segundo o jornal El País. Odds, por sua vez, demonstra a probabilidade da ocorrência de um evento, e representa, portanto, o lucro estimado que um apostador terá caso faça a escolha certa.

Para saber o valor exato da chance de ganhar, basta multiplicar 1/ODD x 100 = Probabilidade.
É nesse momento, porém, que muitos consumidores perdem um grande valor de seu
patrimônio. Os esportes são previsíveis até certo ponto. É evidente que em uma partida hipotética entre Real Madrid x Volta Redonda (RJ) a chance do Volta Redonda ganhar é
muito pequena, assim a sua odd para vencer estará alta, e a do time espanhol estará muito baixa.
Desse modo, o apostador, analisando a situação, aposta parte do seu patrimônio no
Real Madrid, para fazer com que seu dinheiro valorize minimamente. São nesses momentos que as famosas “zebras” aparecem, momento no qual o evento com menor probabilidade acaba acontecendo, e a casa de apostas arrecada fortunas. É claro que a frequência com que as “zebras” ocorrem são baixíssimas, mas basta uma vez para que o patrimônio dos apostadores seja severamente danificado.

A REGULAMENTAÇÃO DAS APOSTAS SOB O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Desde 1946, o direito brasileiro regula os jogos de azar, com a Lei das Contravenções Penais, DecretoLei nº 9.215 (BRASIL, 1946), que diz ser proibido por meio do seu art. 50. “Estabelecer ou explorar jogos de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele”. É válido então uma diferenciação do que são jogos de azar e apostas esportivas. Para a lei supramencionada, jogos de azar podem ser definidos como: “a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas; c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva “. Fica evidente, portanto, que as apostas esportivas, ainda que contenham sorte, não são baseadas apenas nisso, é feito uma série de estudos, critérios e determinação de probabilidades para prever minimamente o que irá ocorrer no evento, fazendo com que a sorte (e o azar) sejam consequências secundárias, embora importantes.
Desse modo, existe uma dúvida se o brasileiro deveria ou não ser penalizado por apostar. Para a lei, devem ser punidos o estabelecimento ou a exploração dos jogos, sendo que, para se enquadrar nesses quesitos é necessário: a) ser a atividade considerada jogo de azar, conforme previsões do § 3º do artigo 50; b) ser a prática explorada economicamente; c) ser a atividade exercida em local público, ou acessível ao público; d) não ter autorização legal (BRASIL, 1946).

No caso das apostas online, ainda existem muitas dúvidas sobre a sua regulamentação, fazendo com que o espaço se torne para muitos uma incógnita, visto que a Lei das
Contravenções Penais não previa o surgimento de uma tecnologia tão avançada, tornando-a incompatível com a realidade. Com essa dúvida instalada, existe também uma falta de especificação nas normas brasileiras, de forma que se torne confusa a regulamentação, e, por consequência, possibilita que as empresas, na maioria dos casos, saiam ilesas, sem nenhuma tributação. Muitas “casas de apostas” possuem sedes no exterior e movimentam bilhões no Brasil.
As sedes da Bet365 e da SportingBet, duas das mais famosas empresas que atuam no Brasil, por exemplo, estão situadas no Reino Unido, que possui uma das legislações mais liberais em relação às apostas. Atualmente, cerca de 19 dos 20 times de brasileiros que disputam a Série A do futebol masculino são patrocinados por empresas de apostas, o que demonstra o quanto esse mercado está presente na nossa realidade, e como já citado, movimenta bilhões de reais por ano.

A partir de 2018, uma inovação no sistema jurídico brasileiro passou a dar início a
legalização das apostas on-line efetivamente. A Lei nº 13.756 deu início a esse processo em seu art. 29: “Fica criada a modalidade lotérica, sob a forma de serviço público exclusivo da União, denominada apostas de quota fixa, cuja exploração comercial ocorrerá em todo o território nacional. § 1º A modalidade lotérica de que trata o caput deste artigo consiste em sistema de apostas relativas a eventos reais de temática esportiva, em que é definido, no momento de efetivação da aposta, quanto o apostador pode ganhar em caso de acerto do prognóstico” (BRASIL, 2018). É importante o destaque da palavra “prognóstico”, que segundo o Dicionário Online Aurélio significa “Ação que, se pautando em dados reais, indica o que poderá acontecer”, confirmando, assim, um tratamento diferenciado entre apostas e jogos de azar pelo sistema jurídico brasileiro.

É possível ver nos incisos subsequentes, que em casos de apostas pelo meio virtual, apenas 0,05% da alíquota será destinada ao pagamento de contribuição para a seguridade social incidente sobre o produto da arrecadação. Foi estabelecido um período de dois anos para que ocorresse um estudo minucioso e uma regulamentação específica para as apostas online. Todavia, o prazo inicial não foi cumprido, e com a pandemia, em 2020, esse estudo foi interrompido.

Em 2021, avanços no texto da regulamentação foram realizados. Um deles corresponde à sanção da lei 14.183, fruto da medida provisória nº 1.034. A taxa de tributação será feita sobre a Gaming Gross Revenue – GGR (receita bruta dos operadores de apostas, simplificadamente, seria o lucro), e não sobre o turnover (volume total de dinheiro gasto). Essa medida foi uma maneira de não espantar de forma bruta os apostadores, e, principalmente, as empresas. Tais avanços estão sendo inspirados no Reino Unido e outros países europeus, que possuem
uma legislação liberal e com baixas taxas de tributação.

MANIPULAÇÕES DE RESULTADOS

O futebol é como um iceberg, a ponta engana completamente o que realmente acontece por completo nesse esporte. As pessoas estão acostumadas a ver na televisão os jogadores
milionários, que ostentam fortunas e aparecem em publicidades a todo momento, entretanto, uma matéria do G1 explicitou algo que não é de conhecimento geral: apenas 0,12% dos atletas recebem salários astronômicos, acima de 100.000 reais. A maioria (80%), porém, recebe menos que um salário-mínimo, e consequentemente, procuram uma outra profissão para sobreviverem. É nesse momento de fragilidade que apostadores tentam aliciar jogadores de futebol com uma renda expressiva para que manipulem resultados ou eventos da partida, tal como, receber cartão amarelo, cometer faltas ou escanteios, que muitas vezes possuem uma odd acima de vencer ou perder uma partida. Para exemplificar, pode-se mencionar que, em 2021, foi revelado pelo MP de Goiás um esquema milionário para jogadores de futebol da série B cometerem infrações e ganharem valores muito acima do que recebem em seus respectivos contratos por cumprirem o “combinado”.

A partida entre Vila Nova x Sport foi uma na qual a manipulação foi evidenciada pelo MP.
Um jogador do Vila Nova ganharia 150 mil reais para cometer um pênalti, sendo que 10 mil reais foram adiantados antes da partida.
Isso demonstra como as apostas esportivas online tem o poder de oferecer valores exorbitantes quando comparado ao que a maior parte dos jogadores recebem. Todavia, o Estatuto do torcedor, em seus artigos 41 C, D e E prevê penas entre 2 e 6 anos de reclusão para quem, de alguma forma, tentar fraudar ou alterar o resultado de uma competição desportiva. É evidenciado, portanto, que a regulamentação para as consequências das apostas já existe, embora sejam difíceis de serem controladas e aplicadas. O que é insuficiente é a regulamentação do dinheiro que circula nesse meio, que, por consequência, muitas vezes proporcionam crimes como os supramencionados.

CENÁRIO ATUAL

Os debates em torno dessa questão foram constantes nos últimos anos. Desde o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro já se previa que uma regulamentação e uma taxação iriam ocorrer definitivamente. A tendência é que o Governo Lula publique uma medida provisória, sendo que, de início, a ideia principal seria fazer com que as empresas não possam mais ter sua sede fora do país, e, paralelamente, não precisem pagar impostos ao atuarem em território brasileiro.
O Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista ao G1, explica que acredita ser possível e justo a taxação das apostas online:
“Não é possível que a gente cobre tributação relacionada a tantos serviços essenciais, inclusive comida, alimentos, feijão e arroz, e a gente não seja capaz de fiscalizar corretamente a tributação das operadoras de apostas esportivas.”
“Nós vamos fiscalizar e vamos arrecadar aquilo que estiver estritamente dentro da lei.”
Ao decorrer do artigo, foi possível notar a influência que as apostas possuem não apenas na realidade brasileira, mas mundialmente. A diferença do Brasil para outros países mais desenvolvidos é justamente a falta de regulamentação, que está por vir, inspirada nos próprios países europeus. O maior argumento contra a taxação das apostas online é o de afastamento dos investidores e das empresas. Tendo em vista que as maiores potências mundiais realizam o mesmo processo a anos e só se beneficiam disso, não é de tamanha veracidade o que foi proposto.
O ministro ainda constatou que a empresa para poder funcionar no país deverá: pagar outorga à União de R$ 30 milhões; ter sede no Brasil; possuir capital mínimo de R$ 100 mil; ter uma série de certificados, como dos meios de pagamentos utilizados e de sistemas para evitar manipulações. Essa última constatação evidencia como as “manipulações de resultados” explorada no tópico anterior estão completamente ligadas à falta de
regulamentação.
A tributação, por ora, deve ser mais branda, passará a ser 15% sobre o GGR, além das
empresas terem de repassar 2,55% da receita líquida para o Fundo Nacional de Segurança Pública. O assessor do Ministério da Fazenda constatou, na mesma matéria supramencionada, que o governo até então perdeu 6 bilhões de reais pela não taxação de apostas esportivas online.

CONCLUSÃO

Ao decorrer do artigo, foi possível notar a influência que as apostas possuem não apenas na realidade brasileira, mas mundialmente. A diferença do Brasil para outros países mais desenvolvidos é justamente a falta de regulamentação, que está por vir, inspirada nos próprios países europeus. O maior argumento contra a taxação das apostas online é o
de afastamento dos investidores e das empresas. Tendo em vista que as maiores potências mundiais realizam o mesmo processo a anos e só se beneficiam disso, não é de tamanha veracidade o que foi proposto.
Em contrapartida, a taxação de uma atividade não essencial, quando tantas outras consideradas essenciais já foram taxadas, faz completo sentido, uma vez que tais recursos
poderão ser utilizados para a melhoria de serviços públicos, além da regulamentação ter o poder de diminuir crimes associados à manipulação de resultados.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARNOLD, Peter. The Encyclopedia of Gambling: the game, the odds, the techniques, the people and place, the myths and history. Secaucus: Chartwell Books Inc., 1977

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.688, de 03/10/1941. Lei das Contravenções Penais. Rio de Janeiro, RJ: Presidência da República

BRASIL. Lei nº 13.756 de 12 de dezembro de 2018. Dispõe sobre o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), sobre a destinação do produto da arrecadação das loterias e sobre a promoção comercial e a modalidade lotérica denominadas apostas de quota fixa

BRASIL, Lei n° 10.671, de 15 de maio de 2003. Dispõe sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor e dá outras providências.

CHAGAS, Jonathan Machado. A (im)possibilidade de regulamentação das apostas esportivas no ordenamento jurídico brasileiro.

MAGRI, Diogo. Casas de apostas esportivas tomam o Brasil, mas movimentam seus bilhões de reais fora do país. Disponível em: . Acesso em 17 abril 2023.

SILVA, Matheus de Oliveira. TRIBUTAÇÃO E REGULAMENTAÇÃO DO MERCADO DE APOSTAS ESPORTIVAS: uma análise sobre os desdobramentos da Lei nº 13.756/2018.

SANT´ANA, Jéssica. Outorga de R$ 30 milhões e alíquota de 15%: entenda como deverá ser a taxação dos sites de apostas esportivas. Disponível em: Acesso em 19 abril 2023.